sábado, 14 de agosto de 2010

Acabou.

Podia ser a crónica de uma morte anunciada; mas não há crónica na manga: este espaço encerrou de vez.



domingo, 11 de julho de 2010

O jardim do tribunal

Um dia gostava de não ser: deprimente e monótono; é uma subespécie de espécie de desejo, para o qual não tenho − e aqui, e agora sou categórico − , jeito. Portanto, para quem se predispõe a ler estes textos, fica o aviso: são aborrecidos, não por si – não têm culpa, coitados − , mas pelo seu autor; que é um gajo dado à chuva, ao vento, e à monotonia. No entanto, o autor, dispõe da plena consciência desse facto, o que joga – pelo menos isso –, a seu favor.


Ora então aqui vai:


A canícula tem afectado o comportamento dos dias, nos dias, e eu procuro passar incólume à estrela amarela, ela persegue-me, respira para cima da minha testa, sinto o seu hálito pestilento “ Sai daqui cabra “, tento uma sombra. Ando de manga comprida, camisa de manga comprida, abotoada até segundo botão a contar de cima para baixo; como quem está da garganta para o umbigo, não arregaço as mangas, é feio, ordinário, fica mal. Mangas arregaçadas é que não, talvez ao fim de semana, talvez a caminho de casa ao sair do trabalho “ Sai daqui”, talvez numa esplanada com um mau livro – nunca um bom livro, fica mal. Se as camisas têm botões, é para serem abotoados, esteja frio ou calor, no vento ou no suor: suo de mangas atadas; será sempre acima. Ponto.
Ora voltando aos dias, e abandonando a indumentária, lá vamos nós, ao sol, a cheirar a desodorizante, quilos desta matéria, que todas as manhãs após o duche – isto é sempre importante: baptismo matinal − , fricciono; esfrego; castigo, e espanco nos sovacos – eu não queria voltar à questão da indumentária, a sério, mas avisei-os no prefácio do texto: “monótono” − , estragando a cor das minhas camisas. Ora lá vamos nós, mais uma vez tentar o seguimento da ideia, a seguir a este ponto final. É agora: eu vou ao sol, tento alcançar a sombra, porque sempre detestei o sol, como o camelo detesta água, e se não é assim passa a ser, porque temos de seguir, e vem o sol, e eu estou a suar, e a sombra foge à minha frente, eu que sou o homem sombra, ou que gostava de ser, ou se calhar não “ Nunca mais vem o Inverno”, pessoas a bombordo e estibordo, ofegantes, mal cheirosas, suor nos braços desnudados, testas a salpicar, a sombra sempre a fugir, a minha sombra, eu o homem a preto e branco, o oásis na entrada do centro comercial, são trinta e sete passos, eu conto passos como quem conta dinheiro: já está. Ponto. Estou sem o meu reflexo na calçada, esboço um sorriso, só um – dois é de mais − , mostro os dentes carregados de nicotina ao dia, abro a sacola “ Onde é que eu pus o tabaco? Raios ma partam “, puxo do vício, pegou-lhe fogo e penso no jardim, naquele ao pé do tribunal, que cheirava a terra molhada, ao hoje homem, outrora menino, de barrete na cabeça, a brincar com o seu barco no lago. Lá no fundo dos tempos, onde o jardim era o mundo, e o mundo era ao cimo da rua, tudo ali tão perto, a menos, muito menos do que trinta e sete passos “ Nunca mais vem o Inverno”.


P.S: Eu avisei, não avisei?



sábado, 3 de julho de 2010

Batalha de Inglaterra


 


 
Robert Fisk a relembrar a sua guerra de Inglaterra, com Spitfire de brincar à mistura. 70 anos depois, a crónica, a memória fica já aqui.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Supostamente invisível

Hoje comei a desaparecer. Assim, sem mais nem menos, comecei a apagar-me “conversa, é o que é”: primeiro as pontas dos dedos atravessaram o frio glaciar do copo, vidro, eu vidro, eu matéria estranha “ lá estás tu outra vez com as tuas coisas”, eu desconhecido, eu sumo de laranja, eu “ pára já com isso” a brincar com o gás; depois foram as mãos, os braços a entrarem pela mesa, eu já só tronco, costelas encostadas à mesa da cozinha “ mas estavas bêbado, ou quê?”, e comecei a descansar, enquanto olhava sem atenção o Brasil a perder o jogo. O telefone tocou, retocou, ergui-me devagar, sem braços, perscrutei o espaço vazio inclinado numa pose ridícula na bancada da cozinha, a língua fora da boca − sem tocar nos dentes −, a tentar a tecla de atender, lá foi, consegui “ viste o jogo?”, era a J., “ vi”, não consegui dizer-lhe que não tinha membros superiores, seria muito duro para ela “ é pá, isso já não chega?”, eu olho para ti “ se calhar tens razão Amélie, isto não aconteceu. Se calhar não era sumo de laranja”, abanas as tuas orelhas, o espaço que existe entre o seu suposto lugar −já não existiam quando chegas-te à nossa casa pela primeira vez −, lambes-me o espaço que ficou onde estavam as mãos, abanas três vezes a cauda, e deitas-te no sofá, no sítio que era teu quando ainda eras viva. Tudo antes, muito antes, da laranja mecânica pensar na vitória sobre o Brasil, e eu me perder em copos de sumo.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mais um misantropo.



W. S. Merwin, misantropo de categoria, recluso até ao tutano, foi importunado pela biblioteca do congresso, e só pensa que vai ter de abandonar por uns dias Maui, ou então que se lixe " vou ficar por aqui".

Coetzee e o sorriso



O Coetzee que é cá dos meus, poucos sorrisos e tal, nada de confianças; apanhou a populaça distraída, esboçou um sorriso, e o Martin Amis começou a gostar dele, digo eu.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Levantado do chão




Teremos de ir por partes, temos de as dividir, e subdividir, baralhar e voltar a dar.

Parte um:

Temos um cenário de livraria, janelas do chão ao tecto. Expostos ficam livros, clientes e livreiros. Um cenário red light zone, transposto em palco livreiro, com livreiros não holandeses ao serviço dos gostos da cliente culta.
Neste espaço temos cadeiras com mesas onde se sentam estudantes; não compradores; leitores; explicadores, e poucas putas. As putas andam a trabalhar, na arrumação do sitio, a tentativa do mimetismo inerte à profissão a corroer-lhes por dentro, o cigarro que falta, níveis de nicotina a baixar.

Parte dois, acção:

O cabelo a descair nos ombros da cliente “ Tem O Ano da Morte, do Saramago?”, uma fuga no olhar, pigarreia-se “ Estou à espera, foram devolvidos…sabe as coisas funcionam assim”, a clientela não sabe, não quer saber, não tem de saber como as coisas funcionam. Instala-se o silêncio. Entretanto, nos interstícios do momento suspenso, o livreiro de serviço realiza uma fuga no olhar, pensa no cigarro que falta, nas férias no Algarve, nos filhos à beira mar, nos mestre-de-obras que são à canícula “ ponham os bonés”, nos castelos e conventos derrubados pela espuma da maré “ meninos mais para cima, a maré está a encher”, no mais novo a comer areia, nas bolas de berlim “ não tem noutra loja?”, e o livreiro que se moveu duzentos e noventa e três quilómetros, enquanto decorria o silêncio, entrou na A2, saiu na A2, pagou 18 eur, chegou a Lisboa, arrumou o carro, tomou banho, meteu-se no comboio “senhores passageiros, o comboio proveniente de Coina, e com destino a Roma Areeiro, vai entrar na linha dois, pedimos o favor de se afastarem da linha de embarque”, apanhou o metro “ merda ainda não comprei o passe”, e saiu no Saldanha, dá uma volta sobre si mesmo − uma manobra de diversão −, pensa no cigarro “ só um minuto que vou já verificar”, a cliente, rapariga já entrada nos trintas, ar artístico quanto baste para o nosso fumador de engalanar, que entra no balcão “ deixem-me só ver se temos O Ano da Morte de Ricardo Reis na Gulbenkian, ou no Oriente”, o computador teima em não andar, o Algarve a morar na sua cabeça – do nosso trabalhador, claro está −, surge o quadro no monitor, nomes de lojas abreviadas − uma parte −, quantidades existentes de livros por loja – duas partes −, quantidades encomendadas – três partes −, “ Não, não temos em nenhuma loja, mas está encomendado”, ela não agradece, vira as costas tipo Roriz, e o livreiro “ Vou fumar um cigarro”, sai do balcão, desce as escadas, abre as portas para a rua e pespega um Camel com areia nos lábios, e pensa nas alegrias do CDS e PSD, enquanto uma lágrima lhe escorre na face esquerda, ao pensar no levantado do chão, que mora no seu espectro esquerdino.