domingo, 11 de julho de 2010

O jardim do tribunal

Um dia gostava de não ser: deprimente e monótono; é uma subespécie de espécie de desejo, para o qual não tenho − e aqui, e agora sou categórico − , jeito. Portanto, para quem se predispõe a ler estes textos, fica o aviso: são aborrecidos, não por si – não têm culpa, coitados − , mas pelo seu autor; que é um gajo dado à chuva, ao vento, e à monotonia. No entanto, o autor, dispõe da plena consciência desse facto, o que joga – pelo menos isso –, a seu favor.


Ora então aqui vai:


A canícula tem afectado o comportamento dos dias, nos dias, e eu procuro passar incólume à estrela amarela, ela persegue-me, respira para cima da minha testa, sinto o seu hálito pestilento “ Sai daqui cabra “, tento uma sombra. Ando de manga comprida, camisa de manga comprida, abotoada até segundo botão a contar de cima para baixo; como quem está da garganta para o umbigo, não arregaço as mangas, é feio, ordinário, fica mal. Mangas arregaçadas é que não, talvez ao fim de semana, talvez a caminho de casa ao sair do trabalho “ Sai daqui”, talvez numa esplanada com um mau livro – nunca um bom livro, fica mal. Se as camisas têm botões, é para serem abotoados, esteja frio ou calor, no vento ou no suor: suo de mangas atadas; será sempre acima. Ponto.
Ora voltando aos dias, e abandonando a indumentária, lá vamos nós, ao sol, a cheirar a desodorizante, quilos desta matéria, que todas as manhãs após o duche – isto é sempre importante: baptismo matinal − , fricciono; esfrego; castigo, e espanco nos sovacos – eu não queria voltar à questão da indumentária, a sério, mas avisei-os no prefácio do texto: “monótono” − , estragando a cor das minhas camisas. Ora lá vamos nós, mais uma vez tentar o seguimento da ideia, a seguir a este ponto final. É agora: eu vou ao sol, tento alcançar a sombra, porque sempre detestei o sol, como o camelo detesta água, e se não é assim passa a ser, porque temos de seguir, e vem o sol, e eu estou a suar, e a sombra foge à minha frente, eu que sou o homem sombra, ou que gostava de ser, ou se calhar não “ Nunca mais vem o Inverno”, pessoas a bombordo e estibordo, ofegantes, mal cheirosas, suor nos braços desnudados, testas a salpicar, a sombra sempre a fugir, a minha sombra, eu o homem a preto e branco, o oásis na entrada do centro comercial, são trinta e sete passos, eu conto passos como quem conta dinheiro: já está. Ponto. Estou sem o meu reflexo na calçada, esboço um sorriso, só um – dois é de mais − , mostro os dentes carregados de nicotina ao dia, abro a sacola “ Onde é que eu pus o tabaco? Raios ma partam “, puxo do vício, pegou-lhe fogo e penso no jardim, naquele ao pé do tribunal, que cheirava a terra molhada, ao hoje homem, outrora menino, de barrete na cabeça, a brincar com o seu barco no lago. Lá no fundo dos tempos, onde o jardim era o mundo, e o mundo era ao cimo da rua, tudo ali tão perto, a menos, muito menos do que trinta e sete passos “ Nunca mais vem o Inverno”.


P.S: Eu avisei, não avisei?



1 comentário:

rafael disse...

gostei muito de te ler