Estás a preto a branco. Acordas-te assim, olhas ao redor com um copo de leite na mão, o copo e o leite estão policromáticos; naturais; regularmente normais; sem dúvidas confrangedoras. Sais da cozinha com açúcar nas palmas das mãos, lambes o doce que as passeia, pensas nela, no comboio a fugir de ti.
Tens um texto a escrever que ninguém irá ler; entras na casa de banho “ Assim não podemos continuar”, disse ela aos berros, molhas a cara, e ficas com a escova de dentes a baloiçar nas mãos. “ Eu percebo tudo, eu percebo sempre tudo! Merda João, estou farta. Farta, sabes o que é isso?”, terminas a lavagem corporal, vais ao escritório, acendes um cigarro na solidão, e recordas o tal conto de Maupassant, o tal.
O computador foi ligado, está a cores também, só tu és monocromático, só tu.
Sentas-te, refastelas-te na cadeira giratória, e na continuação do descoroçoamento, escreves ou recopias-te, no rincão da tua vida.
“ A dona Ricardina vivia no segundo direito, eu no terceiro direito, por cima do piano do seu filho Baltazar. O Baltazar não era rei no médio oriente, mas fazia um barulho ensurdecedor. “ Vou ser pianista”, dizia ele do alto da sua enorme, mas fina figura. Eu dizia sempre que sim ou calava-me “ Filho, o que fica por dizer, é sempre muito melhor do que aquilo que se diz”, e assim passaram os anos, com modificações dignas de nota: Eu que já tinha aulas de piano, abandonei-o, porque como o Bernhard, percebi que seria competente o meu futuro, seria bom, mas não genial. O Baltazar que era uma desgraça, viria ao longo do percurso a tornar-se um pianista junkie, suicidando-se, espalhando as suas vísceras ao longo do caminho-de-ferro.”
Paras, silencias a escrita, puxas de outro cigarro com a tua mão a preto e branco, e decides peremptoriamente ir ao mictório.
Entretanto eu que assisto a isto por cima, mesmo no alto da narrativa: sem deixar no entanto, de calcorrear o seu interior, agradeço. Agradeço a todos e todas que me têm lido, de forma muito sincera. Desejo um bom ano, melhor que este, que seja policromático. Só isso, tudo isso, a cores.
Por fim, não queria deixar de encorajar os que têm pachorra para isto, de enviarem os seus, vossos, comentários, please.
Tudo isto é ficção, nada mais; apesar de haver sempre todo o resto - que é muito, mas a cores.
Bom ano, e festas felizes.
Tudo isto é ficção, nada mais; apesar de haver sempre todo o resto - que é muito, mas a cores.
Bom ano, e festas felizes.