quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Bom Ano

Estás a preto a branco. Acordas-te assim, olhas ao redor com um copo de leite na mão, o copo e o leite estão policromáticos; naturais; regularmente normais; sem dúvidas confrangedoras. Sais da cozinha com açúcar nas palmas das mãos, lambes o doce que as passeia, pensas nela, no comboio a fugir de ti.
Tens um texto a escrever que ninguém irá ler; entras na casa de banho “ Assim não podemos continuar”, disse ela aos berros, molhas a cara, e ficas com a escova de dentes a baloiçar nas mãos. “ Eu percebo tudo, eu percebo sempre tudo! Merda João, estou farta. Farta, sabes o que é isso?”, terminas a lavagem corporal, vais ao escritório, acendes um cigarro na solidão, e recordas o tal conto de Maupassant, o tal.
O computador foi ligado, está a cores também, só tu és monocromático, só tu.
Sentas-te, refastelas-te na cadeira giratória, e na continuação do descoroçoamento, escreves ou recopias-te, no rincão da tua vida.
“ A dona Ricardina vivia no segundo direito, eu no terceiro direito, por cima do piano do seu filho Baltazar. O Baltazar não era rei no médio oriente, mas fazia um barulho ensurdecedor. “ Vou ser pianista”, dizia ele do alto da sua enorme, mas fina figura. Eu dizia sempre que sim ou calava-me “ Filho, o que fica por dizer, é sempre muito melhor do que aquilo que se diz”, e assim passaram os anos, com modificações dignas de nota: Eu que já tinha aulas de piano, abandonei-o, porque como o Bernhard, percebi que seria competente o meu futuro, seria bom, mas não genial. O Baltazar que era uma desgraça, viria ao longo do percurso a tornar-se um pianista junkie, suicidando-se, espalhando as suas vísceras ao longo do caminho-de-ferro.”
Paras, silencias a escrita, puxas de outro cigarro com a tua mão a preto e branco, e decides peremptoriamente ir ao mictório.
Entretanto eu que assisto a isto por cima, mesmo no alto da narrativa: sem deixar no entanto, de calcorrear o seu interior, agradeço. Agradeço a todos e todas que me têm lido, de forma muito sincera. Desejo um bom ano, melhor que este, que seja policromático. Só isso, tudo isso, a cores.
Por fim, não queria deixar de encorajar os que têm pachorra para isto, de enviarem os seus, vossos, comentários, please.

Tudo isto é ficção, nada mais; apesar de haver sempre todo o resto - que é muito, mas a cores.

Bom ano, e festas felizes.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dandy a dançar.


Chegou o instante. É agora, o theama que não posso deixar de ver – sempre me deslumbrei com pleonasmos −, “ver não que é feio, olhar, isso sim”, captar na minha mais interna e visceral máquina fotográfica leica, que guardo com todas as minhas recordações no sótão occipital, em frente, de frente para o restante e ordinário.
Estou parado, contido na noite a tentar seguir os pressupostos de Isócrates, a habilidade ou “capacidade do discurso”. É agora, chegou a “Hora” de mais umas folhas coloridas, sarapintadas a preto – nunca consegui escrever de outra cor – “não se escreve a preto, quantas vezes terei de lhe repetir? É a azul como todos os seus colegas”, e eu nada. Eu nada.
Eu nada, sempre em nada, absoluto no absorto, quieto no preto, sossegado no escuro da cor, “sou um a preto e branco”, ela grita, eu ajeito a gravata e guardo-me no silêncio, profundo e duro, como aquela nuvem, a que teima em passar todos os dias na minha vida. É o momento de abrir a Obra, mas chove tanto lá fora, e cá dentro... frio.
Um dia pela manhã chegaste de fininho, e disseste-me que tinha de abrir o sótão, de o pôr ao sol, receber alguma luz, eu sendo polite “ amanhã sem falta, minha cara”, mas nada, e eu nada. Sentei-me novamente, li a Divina Comédia, no exílio como Dante, confrontado como o grande poeta com as consequências da viagem, do previsível residente, e com muito medo do presente. Fechei a porta do sótão, fui ligar a aparelhagem para ver se me animava, mimava ao som dos Bauhaus, o que mais uma vez, previsivelmente não me animou. Fui-me deitar, nem retirei a gravata, dandy até ao deitar.
No outro dia tentei-me levantar, mas durante a noite tinha andado em passeios rotativos e constantes pela Roma antiga, nas zonas do Foro e Velabro, onde fui atacado pela deusa Febre, e nem a subida ao altar do Palatino me salvou. Fiquei a olhar para o edredão o dia todo, com a escrita pendente, a Obra a marinar em “banhomaria”, no frigorifico ao lado dos iogurtes, em frente, de frente para porta fechada. Sai da cama à noite, com o enredo da escrita na febre “ amanhã sem falta, minha cara”.
Dormi mal nessa noite, tinha sede de medo de estar parado, mas estava bem, apenas desperto, com o cigarro a iluminar a minha quietude vivencial, uma subespécie de espécie de gostar da vida adiada.
Hoje é o dia, chegou a Hora, “Amanhã sem falta, minha cara”. Olhas-me de lado, visitas-me o colarinho, puxas-me de encontro ao colo. Chegou o instante, é a Hora, sussurras-me a sorrir “Vamos dançar?”, “Agora sem falta, minha cara”, e dança-mos a cores, muitas e macias, sem preto, pela noite fora. È a Obra.




segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Algumas a descobrir

O seu nome é Dan Michaelson, lider dos londrinos Absentee, que se apresenta a solo, como Dan Michaelson and the Coastguards, com disco novo, Saltwater. Fabuloso.



Disco do escocês Aidan Moffat( vocalista dos já extintos Arab Strap) " How To Get To Heaven From Scotland".

domingo, 27 de dezembro de 2009

Porque me apetece

Algumas que se adequam a esta altura, para mim.







e... a música da vida da minha mais que tudo.


sábado, 26 de dezembro de 2009

o natal acabou

Estamos todos - os que estão - a fazer a digestão da ceia.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A velhinha assassina

Ela conspirava com o tempo e o espaço, dizia que não ao chá verde, deitava-se de costas nos maples, pedia uísque sem querer, e respirava. Era ofegante e elegante, paralela e transversal nos remates de conversa. Um dia, como tantos outros apareceu a Miss Marple numa festa em sua casa, e ela morreu.
A velhota assassina sem dó nem piedade, basta aparecer; parecer ou ser, é tudo a mesma coisa.

Por falar ainda em fé

ELE anda por aí.

Miguel Torga dizia a respeito de Deus: “Tive sempre a coragem de o negar, mas nunca a força de o esquecer", e talvez esta dualidade de pensamento esteja sempre no cerne do fim, do meu claro está. Não Te consigo esquecer, e olha que até faço bem de conta que sim.
Olha Deus não sei se me apetece (como se fosse tudo isto uma questão, ou principio, de apetência) fazer de conta que não Existes; que nem sequer gosto de Ti. Estou cansado de tentar; de negar; de me pavonear num falso ateísmo de gosto urbano ocidental. Não consigo mais negar-Te. Estou cansado,muito cansado...
Talvez Te defenda como o discípulo de Dostoievski, o grande filósofo esquecido Nicolai Berbaiev: “ A existência do mal é uma prova da existência de Deus. Se o mundo consistisse única e exclusivamente na bondade e na justiça, Deus não seria necessário, pois nesse caso o próprio mundo seria Deus. Deus existe porque o mal existe. E isto significa que Deus existe porque a liberdade existe”.

E lembrei-me disto:

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Respostas

As minhas mãos estão em ferida, e eu olho para o teclado que toca o livro, que adormeceu ao lado do meu peixinho dourado. Qual será o livro do ano; o disco do ano “ Anda jantar”; o concerto; a entrevista “ Anda comer, vai ficar frio”? Estão em ferida as mãos, e o bibliófilo que sou ri. Ri desmesuradamente à procura das respostas.
Nunca respondo, sou tipo Bartleby; misantropo até no responso. “ Anda comer”, e eu não vou.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Um filme que nunca me sai da cabeça

Variações sobre a casa

Era uma casa. Uma casa é sempre uma casa que inevitavelmente vive em núpcias com o seu morador. Era uma casa castelo, uma casa livros, uma casa açúcar no leite do pequeno-almoço, uma casa que se queria assombrada.
Era uma casa pão. Uma casa gorro para ir para a escola. Eram autocolantes nos vidros do quarto, a Câmara municipal em frente. E havia beijos de manhã; à tarde; à noite “ Até amanhã mãe se Deus quiser”, e a mãe acordava do seu sono “ Dorme filho”.
Uma casa poema, música − os primeiros acordes . Uma casa filme “ Dorme bem filho. Desliga a luz.”, e o filho nada. E o filho de núpcias com a casa, sem a largar, preso voluntariamente, a ouvir a mãe no interior do seu quarto, à espera.

O natal a se fazer sentir

Alguns momentos, que aqui e ali vão mostrando o Natal.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Ideias para se oferecerem no Natal. A vós mesmos...

De quando em vez, vou colocar algumas propostas.












Algum entusiasmo




Já foi traduzido, vou adquiri-lo, lê-lo, àquele que injustamente é comparado a Auster.
As informações encontrem-nas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Tenho de ir lavar os pratos

Cover´s como deve ser

Quando descobri, tinha de colocar.




e ainda

Dandy no sul

“Não deverias fazer isso. Sabes que não vais terminar”, dizia eu, devagarinho a mim próprio, enquanto fugia do fim. Cabelo na areia, numa capela praia, mar nos ouvidos, e um frio enorme que me desejava transportar até ao altar.
Nunca ia até ao fim da minha basílica privada, ficava – como ainda fico – no meio, sentado como o profeta a pensar; enroscado no Inverno do mar vazio. Vultos no princípio, e, no fim. Eu sentado… sem nada, ou ninguém.
O sobretudo abotoado, sapatos nos pés, no areal; dandy ao vento, a sul, ao sul.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

UMA GRANDE MÚSICA

OLDIES

Estou a necessitar dos meus oldies.











Neste que se segue, eu estive lá nos dois dias, e, marcou-me para sempre.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sempre tive mania dos barroquismos, uns mais baratos que outros, mas constantemente prenunciados. Árvores e flores, música com filmes, estes sem música, mas tudo trabalhado; o pormenor, essa busca inteligível. Tudo pode parecer cru; nu; “ in your face”, tudo aparente, apenas isso. Se estranha, entranha.



Bill Callahan - Jim Cain at Used Kids Records









Johnny Cash Hurt


segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Laura

Ela vivia no momento em que ele se afastou. Foi num Domingo de manhã “ não fujas de mim”, não respondeu, de mala às costas partiu com um cigarro na boca. Abandonou-a sem nada dizer; um gesto; aceno; nada. “ Não me deixes”, lágrimas a correrem-lhe pela camisa de dormir, olhos inchados, pretos, duas enormes bochechas orbitais repletas de dor; foi o fim para Laura. Entregou-se à bebida, aos amores fáceis, lentamente se abandonou. Eram as camas improvisadas que lhe secavam os salgados olhos mortiços, momentos em que se sentia amada “cada vez és melhor”, e ela deliciada, vinho nos lábios gretados “ és tão bom para mim”.
A Laura envelheceu sozinha, agradecendo à aldeia pelo amor que lhe devotava. Morreu como a “Laurinha boa foda”, sem visitas, lágrimas e velório. O único presente no enterro, foi um homem de cigarro na boca, mala às costas, e um adeus nas mãos “eu amava-te demasiadamente para ficar”. As cordas desceram, Laura foi enterrada outra vez, agora para sempre

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Variações sobre a cidade

Os meninos jogavam à bola no adro da Igreja, um campo de futebol religioso, com uma baliza, só uma. Era enorme, de madeira trabalhada com postes e barra góticos – eles não sabiam nada destas coisas. A cada golo, um barulho magnânimo, transcendente, “daqui para fora, já” e a rapaziada aos pulos, erguendo os braços ao ar, a Deus “ não os quero aqui”, não era Ele que os escorraçava, mas sim o seu representante, o bondoso senhor prior.
Durante meses a fio o adro era o lar da pequenada “ gira daqui para fora”, até que um dia, perante tais ameaças divinas, abandonaram o campo de futebol religioso com a sua bola de cate chumbo. Eles e as camisolas de malha − tricotadas pelas mães e avós −, desceram as escadas do promontório sagrado da cidade, sem olhar para trás, sem cruzarem olhares entre eles, ressentidos, envergonhados. Afastaram-se da Igreja, até hoje.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Novembro

Em Novembro, as noites vão caindo mais cedo em cima de nós. O céu começa a partir-se e a lavar as ruas; os transeuntes que teimam em não usar sombrinha; assim como os cães dos vizinhos às ombreiras das portas.
Em Novembro iniciamos a leitura das coisas tristes, ficamos deprimidamente felizes, nostálgicos, com castanhas a arder nas mãos. Mãos paulatinamente gretadas, o sangue a escorrer até às unhas, que chupa-mos sem medo, mas com dó. Nada nos mantêm aquecidos em Novembro, nem sequer aquela manhã com sol, com café a realizar desenhos no ar, afluindo à dança produzida pelo cigarro em espirais de beleza tóxica.
Em Novembro, todos somos mais e mais sós, solitários ao frio − como no conto de Maupassant −, tendo como certeza a impossibilidade de companhia efectiva, concreta, na imensidão de gotas que nos vão encharcando o claustro.
Novembro, nome triste.
Novembro cor de maçã podre.
Novembro nome de estação de caminho de ferro, onde está alguém, com folhas nos dedos compridos, enquanto espera o último comboio para aquele lugar, outro lugar. É sempre outra a estação que espera alguém. A outra estação que certamente estará vazia, sem ninguém.
Em Novembro nasce Camus, numa quinta da antiga aldeola de Saint-Paul, perto de Mondovi, a sul de Annaba. Nasce após uma viagem de carroça, o que não é de todo um bom prenúncio. Nove meses bastam na sua vida para eclodir a Primeira Guerra Mundial. E depois está lá tudo no “Primeiro Homem”.
Novembro é mês de revisitar os mestres, tristes mestres.
Está quase a chegar o Entrudo, pode ser que tudo isto passe. Pode ser.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Variações sobre a cidade

Naquele tempo a cidade estava cheia de sociedades recreativas, com mulheres lá dentro, sentadas à espera de uma dança. Os maridos − que no bar da sociedade eram solteiros – bebiam, embebedavam-se uns com outros, todos eles sem mulheres ou filhos. Os homens brincavam aos meninos grandes, e os brinquedos eram minis geladas, chupetas nos beiços, com grandes bigodes por cima. Homens que levavam as suas “marias a dar uma voltinha”, “marias” em quietude nas suas cadeiras. Todas elas maquiadas, com roupas domingueiras, perscrutando o agrupamento musical, que tocava para uma pista de dança vazia. Mulheres que eram apenas “marias” de seus homens; mulheres com os seus filhos numa longa espera.
Os meninos pequenos brincavam uns com os outros, oferecendo às suas mães um ofício, que era o de olhar por eles. Meninos e mães eram a perfeita e única companhia no baile. Mães que nunca retiraram os seus filhos de dentro de si, vivendo um com o outro, pelo outro, dentro do outro. E os pequenos caiam um a um em cima do colo das mães, que lhes passavam as mãos pelo cabelo, pelo tronco, afagando-os como crias que eram.
A cidade de mães e filhos esquecidos, com homens solteiros a jogar à lerpa na mesa da vida dos outros, que afinal era dos seus.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Vamos lá tocar na rua.

Stephen Malkmus - Hopscotch Willie